quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Envelhecer (ou crise dos 25)


             
              Enquanto assisto ao entardecer levando consigo mais um dia - um a menos para mim - sinto a inquietude da vida madura: o medo de envelhecer. Ainda no limiar entre o jovem e o velho, o definhamento é uma nova sensação. O futuro outrora sonhado começa a se fazer presente, mas o presente quer o passado vivido, com grandes ideais e responsabilidades diminutas. O brilho nos olhos já não é o mesmo, agora envolto pelos sinais característicos da passagem do tempo. Corpo e espírito não são mais um só, eis que aquele não acompanha mais este em seus vôos cheios de energia. A pele demora mais a voltar quando contraída, a gordura decide alojar-se definitivamente a cada nova farra gastronômica, as bebedeiras são acompanhadas de ressacas com pequenas mortes.
          
            A chegada ao auge é também o início do declínio: infalível como o Tao. O que fazer quando a juventude como um todo esvair-se de mim? Ainda haverão olhares maliciosos, biquinis no verão, convites para eventos, paixões avalassadoras? Parece injusto que tudo seja tirado, usurpado, surrupiado de forma repentina. Embora todo o processo leve alguns anos para ser levado a termo, assim que chega deixa a sensação de sobressalto: 'Mas ainda não estou preparada!'. De repente, quando a sua alma alcança a melhor versão de você, seu corpo não condiz com toda sua grandeza, pelo contrário, são processos inversamente proporcionais. 

            Na sociedade em que vivemos, na qual o corpo é o novo totem, aderimos a processos de mumificação em vida, numa luta hercúlea contra o tempo. Entretanto, somos ainda a parte perdedora - o tempo é derradeiro e nós pequenos grãos de areia no universo (mas tudo bem, sempre foi do feitio do homem tentar dominar a natureza). Para a biologia, envelhecemos e morremos pois já cumprimos nossa missão de perpetuar a espécie. Para a Medicina, as células e órgãos, após anos de trabalho a fio, começam a se gastar e definham. Para a religião, a vida é apenas um ciclo de passagem para uma nova etapa. Em que acreditar? Difícil escolha. Assim como é difícil escolher entre a eterna juventude e o amadurecimento do ser.
        
             Se a juventude tem suas virtudes, a maturidade também não fica atrás. É nela que podemos enfim calar várias de nossas inquietações, olhar os problemas com serenidade, ter intimidade com a vida em si. Sentimo-nos mais seguros para sermos nós mesmos, apreciamos melhor o que verdadeiramente vale a pena, julgamos com menos rapidez e mais precisão, sentimos o verdadeiro prazer do ser criador. Desta feita, os prazeres da vida são substituídos da carne para o espírito, sendo essencial que se faça essa passagem, sob pena de morrermos ainda vivos. Contudo, nem todos os indivíduos atingem a maturidade com o simples passar dos anos - muitos permanecem presos aos dogmas da juventude após a festa acabar. Pessoas que fazem do corpo e da farra seu ganha pão ou razão de vida tendem a aprisionar seus espíritos à matéria e irem definhando com ela. Para elas, o tempo é inimigo e a felicidade esvai-se ano a ano. 

         Ao olharmos para a vida querendo que ela se adeque às aspirações de nossos desejos, fazemos dela mero instrumento de uma realidade limitada a nossos sentidos. Podemos sim, cada um, dar o significado que bem quisermos a nossa existência, mas precisamos colocar a grandeza da vida em seu devido lugar, muito acima de nós mesmos como indivíduos, eis que a vida, esse sopro que se esconde atrás de matéria orgânica, é anterior e posterior a nossa breve estada. 

        A ciência, nosso novo substituto para Deus, é vomitada em curtas sentenças nos novos meios de comunicação, que prescrevem como devemos viver. Hipóteses são aceitas como verdades e, desconexas, fazem o todo perder unidade. Somos o que comemos, somos o que falamos, temos o que pedimos ou o que merecemos. Qualquer resposta maior que uma sentença é ininteligível. Após décadas de desenfreado progresso, podemos chegar à Lua e enganar a dor, mas ainda não somos capazes de responder as mais elementares questões que intrigavam os pensadores milênios atrás: o que é a vida, qual o seu sentido, por que envelhecemos e morremos? 

        Apenas o resgate da beleza da maturidade e da sabedoria como valores poderão retirar de nossa alma a angústia de saber que estamos envelhecendo, logo, somos efêmeros. Se o que invejamos na juventude é justamente a despreocupação frente aos dilemas da vida adulta, basta que olhemos para eles sem temor, com os olhos de uma criança, mas com a sapiência de um pessoa vivida.
Nestas derradeiras palavras que, entretanto, nada finalizam, lembro que sou uma pessoa  de alma  velha, pois  tenho grande  apreço pelas coisas  antigas, que  já habitavam o mundo antes da minha chegada. Assim sendo, meu envelhecimento levar-me-á ao encontro de tudo que é grande e perene.    
                                                                  Dhara Gasparini 

                 

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