Enquanto assisto ao entardecer levando consigo mais um dia - um a menos para mim - sinto a inquietude da vida madura: o medo de envelhecer. Ainda no limiar entre o jovem e o velho, o definhamento é uma nova sensação. O futuro outrora sonhado começa a se fazer presente, mas o presente quer o passado vivido, com grandes ideais e responsabilidades diminutas. O brilho nos olhos já não é o mesmo, agora envolto pelos sinais característicos da passagem do tempo. Corpo e espírito não são mais um só, eis que aquele não acompanha mais este em seus vôos cheios de energia. A pele demora mais a voltar quando contraída, a gordura decide alojar-se definitivamente a cada nova farra gastronômica, as bebedeiras são acompanhadas de ressacas com pequenas mortes.
A chegada ao auge é também o início do declínio: infalível como o Tao. O que fazer quando a juventude como um todo esvair-se de mim? Ainda haverão olhares maliciosos, biquinis no verão, convites para eventos, paixões avalassadoras? Parece injusto que tudo seja tirado, usurpado, surrupiado de forma repentina. Embora todo o processo leve alguns anos para ser levado a termo, assim que chega deixa a sensação de sobressalto: 'Mas ainda não estou preparada!'. De repente, quando a sua alma alcança a melhor versão de você, seu corpo não condiz com toda sua grandeza, pelo contrário, são processos inversamente proporcionais.
Na sociedade em que vivemos, na qual o corpo é o novo totem, aderimos a processos de mumificação em vida, numa luta hercúlea contra o tempo. Entretanto, somos ainda a parte perdedora - o tempo é derradeiro e nós pequenos grãos de areia no universo (mas tudo bem, sempre foi do feitio do homem tentar dominar a natureza). Para a biologia, envelhecemos e morremos pois já cumprimos nossa missão de perpetuar a espécie. Para a Medicina, as células e órgãos, após anos de trabalho a fio, começam a se gastar e definham. Para a religião, a vida é apenas um ciclo de passagem para uma nova etapa. Em que acreditar? Difícil escolha. Assim como é difícil escolher entre a eterna juventude e o amadurecimento do ser.
Se a juventude tem suas virtudes, a maturidade também não fica atrás. É nela que podemos enfim calar várias de nossas inquietações, olhar os problemas com serenidade, ter intimidade com a vida em si. Sentimo-nos mais seguros para sermos nós mesmos, apreciamos melhor o que verdadeiramente vale a pena, julgamos com menos rapidez e mais precisão, sentimos o verdadeiro prazer do ser criador. Desta feita, os prazeres da vida são substituídos da carne para o espírito, sendo essencial que se faça essa passagem, sob pena de morrermos ainda vivos. Contudo, nem todos os indivíduos atingem a maturidade com o simples passar dos anos - muitos permanecem presos aos dogmas da juventude após a festa acabar. Pessoas que fazem do corpo e da farra seu ganha pão ou razão de vida tendem a aprisionar seus espíritos à matéria e irem definhando com ela. Para elas, o tempo é inimigo e a felicidade esvai-se ano a ano.
Ao olharmos para a vida querendo que ela se adeque às aspirações de nossos desejos, fazemos dela mero instrumento de uma realidade limitada a nossos sentidos. Podemos sim, cada um, dar o significado que bem quisermos a nossa existência, mas precisamos colocar a grandeza da vida em seu devido lugar, muito acima de nós mesmos como indivíduos, eis que a vida, esse sopro que se esconde atrás de matéria orgânica, é anterior e posterior a nossa breve estada.
A ciência, nosso novo substituto para Deus, é vomitada em curtas sentenças nos novos meios de comunicação, que prescrevem como devemos viver. Hipóteses são aceitas como verdades e, desconexas, fazem o todo perder unidade. Somos o que comemos, somos o que falamos, temos o que pedimos ou o que merecemos. Qualquer resposta maior que uma sentença é ininteligível. Após décadas de desenfreado progresso, podemos chegar à Lua e enganar a dor, mas ainda não somos capazes de responder as mais elementares questões que intrigavam os pensadores milênios atrás: o que é a vida, qual o seu sentido, por que envelhecemos e morremos?
Apenas o resgate da beleza da maturidade e da sabedoria como valores poderão retirar de nossa alma a angústia de saber que estamos envelhecendo, logo, somos efêmeros. Se o que invejamos na juventude é justamente a despreocupação frente aos dilemas da vida adulta, basta que olhemos para eles sem temor, com os olhos de uma criança, mas com a sapiência de um pessoa vivida.
Dhara GaspariniNestas derradeiras palavras que, entretanto, nada finalizam, lembro que sou uma pessoa de alma velha, pois tenho grande apreço pelas coisas antigas, que já habitavam o mundo antes da minha chegada. Assim sendo, meu envelhecimento levar-me-á ao encontro de tudo que é grande e perene.
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