segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Caminhos


          Bem no começo  do livro O Tao da Física (Fritjof Capra) achei esta citação que tem tudo ver com o momento de travessia que vivo:


        "Qualquer caminho é apenas um caminho e não constitui insulto algum - para si ou mesmo para os outros - abandoná-lo quando assim ordena o seu coração. (...) Olhe cada caminho com cuidado e atenção. Tente-o tantas vezes quantas julgar necessárias... Então faça a si mesmo e apenas a si mesmo uma pergunta: possui este caminho um coração? Em caso afirmativo, o caminho é bom. Caso contrário, esse caminho não possui importância alguma."

Carlos Casteñeda, The Teachings of Don Juan


sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Sarau esquizofrênico



Você tresvalora
Eu egocêntrica 
Diálogo impossível
De personas autênticas
Encontro improvável
Sarau esquizofrênico
De almas perturbadas
Que dançam ao relento

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Envelhecer (ou crise dos 25)


             
              Enquanto assisto ao entardecer levando consigo mais um dia - um a menos para mim - sinto a inquietude da vida madura: o medo de envelhecer. Ainda no limiar entre o jovem e o velho, o definhamento é uma nova sensação. O futuro outrora sonhado começa a se fazer presente, mas o presente quer o passado vivido, com grandes ideais e responsabilidades diminutas. O brilho nos olhos já não é o mesmo, agora envolto pelos sinais característicos da passagem do tempo. Corpo e espírito não são mais um só, eis que aquele não acompanha mais este em seus vôos cheios de energia. A pele demora mais a voltar quando contraída, a gordura decide alojar-se definitivamente a cada nova farra gastronômica, as bebedeiras são acompanhadas de ressacas com pequenas mortes.
          
            A chegada ao auge é também o início do declínio: infalível como o Tao. O que fazer quando a juventude como um todo esvair-se de mim? Ainda haverão olhares maliciosos, biquinis no verão, convites para eventos, paixões avalassadoras? Parece injusto que tudo seja tirado, usurpado, surrupiado de forma repentina. Embora todo o processo leve alguns anos para ser levado a termo, assim que chega deixa a sensação de sobressalto: 'Mas ainda não estou preparada!'. De repente, quando a sua alma alcança a melhor versão de você, seu corpo não condiz com toda sua grandeza, pelo contrário, são processos inversamente proporcionais. 

            Na sociedade em que vivemos, na qual o corpo é o novo totem, aderimos a processos de mumificação em vida, numa luta hercúlea contra o tempo. Entretanto, somos ainda a parte perdedora - o tempo é derradeiro e nós pequenos grãos de areia no universo (mas tudo bem, sempre foi do feitio do homem tentar dominar a natureza). Para a biologia, envelhecemos e morremos pois já cumprimos nossa missão de perpetuar a espécie. Para a Medicina, as células e órgãos, após anos de trabalho a fio, começam a se gastar e definham. Para a religião, a vida é apenas um ciclo de passagem para uma nova etapa. Em que acreditar? Difícil escolha. Assim como é difícil escolher entre a eterna juventude e o amadurecimento do ser.
        
             Se a juventude tem suas virtudes, a maturidade também não fica atrás. É nela que podemos enfim calar várias de nossas inquietações, olhar os problemas com serenidade, ter intimidade com a vida em si. Sentimo-nos mais seguros para sermos nós mesmos, apreciamos melhor o que verdadeiramente vale a pena, julgamos com menos rapidez e mais precisão, sentimos o verdadeiro prazer do ser criador. Desta feita, os prazeres da vida são substituídos da carne para o espírito, sendo essencial que se faça essa passagem, sob pena de morrermos ainda vivos. Contudo, nem todos os indivíduos atingem a maturidade com o simples passar dos anos - muitos permanecem presos aos dogmas da juventude após a festa acabar. Pessoas que fazem do corpo e da farra seu ganha pão ou razão de vida tendem a aprisionar seus espíritos à matéria e irem definhando com ela. Para elas, o tempo é inimigo e a felicidade esvai-se ano a ano. 

         Ao olharmos para a vida querendo que ela se adeque às aspirações de nossos desejos, fazemos dela mero instrumento de uma realidade limitada a nossos sentidos. Podemos sim, cada um, dar o significado que bem quisermos a nossa existência, mas precisamos colocar a grandeza da vida em seu devido lugar, muito acima de nós mesmos como indivíduos, eis que a vida, esse sopro que se esconde atrás de matéria orgânica, é anterior e posterior a nossa breve estada. 

        A ciência, nosso novo substituto para Deus, é vomitada em curtas sentenças nos novos meios de comunicação, que prescrevem como devemos viver. Hipóteses são aceitas como verdades e, desconexas, fazem o todo perder unidade. Somos o que comemos, somos o que falamos, temos o que pedimos ou o que merecemos. Qualquer resposta maior que uma sentença é ininteligível. Após décadas de desenfreado progresso, podemos chegar à Lua e enganar a dor, mas ainda não somos capazes de responder as mais elementares questões que intrigavam os pensadores milênios atrás: o que é a vida, qual o seu sentido, por que envelhecemos e morremos? 

        Apenas o resgate da beleza da maturidade e da sabedoria como valores poderão retirar de nossa alma a angústia de saber que estamos envelhecendo, logo, somos efêmeros. Se o que invejamos na juventude é justamente a despreocupação frente aos dilemas da vida adulta, basta que olhemos para eles sem temor, com os olhos de uma criança, mas com a sapiência de um pessoa vivida.
Nestas derradeiras palavras que, entretanto, nada finalizam, lembro que sou uma pessoa  de alma  velha, pois  tenho grande  apreço pelas coisas  antigas, que  já habitavam o mundo antes da minha chegada. Assim sendo, meu envelhecimento levar-me-á ao encontro de tudo que é grande e perene.    
                                                                  Dhara Gasparini 

                 

terça-feira, 25 de outubro de 2011

A solidão da criação


          Compartilhar nos faz felizes - sentir-se parte de algo, dividir. Porém, quando criamos,  perdemo-nos sós em nossas fantasias, habitando um mundo novo, porém vazio. O outro, que confirma nosso significado, não está mais ali, o que pode transformar o êxtase da criação em medo do desconhecido. 
                                             D. G.


segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Sonhos e devaneios



Devaneios não são sonhos
São delírios passageiros
São um leve abandono
Em momentos prazenteiros

Devaneios são mentiras
Já cativas, em passeio
São despir a fantasia
De uma fuga por inteiro

Devaneios não são claros
Raros "flashes" obscuros
Que escapam pela etérea
Fluidez de nossos muros

Nossos sonhos são a sombra
De incautos devaneios
Inflamada pela sobra
De um delírio passageiro

                                              Dhara Gasparini

sábado, 22 de outubro de 2011

Sou fácil!

        Veja só, sou fácil. Uma frase de efeito me consola. Em terra onde Fernando Pessoa é rei, sinto o aconchego de Clarice. E Nietzsche me faz cócegas com seus bigodes. Minha solidão não é perene. Vez por outra Dostoievsky vem ter comigo. Às vezes traz Joyce (mas quando ele vem é tão intenso que preciso de novo de não Joyce, senão fico tonta). Não me entrevo em casa. Basta uma vã filosofia para me levar a um passeio. Platão me leva no bosque da realidade alternativa e me mostra o arco-íris. É tão lindo! Mas Nietzsche diz que não posso ficar ali. Ele quer que eu voe bem alto. Quanto mais alto eu voo, mais sozinha estou. Então pouso na terra e volto para os meus. E já estou de volta. Veja só, sou fácil.
                                                      Dhara Gasparini

Sobre importâncias e inutilidades



Parece que para justificar minha existência no mundo tenho que fazer algo útil, então escrevo. Não que seja útil, mas disfarça minha competência para a inutilidade.
                                                                                                                  D. G.



Para nos encher de importâncias, esvaziamos a alma.
                                                                                           D. G.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Poesia da adolescência

           Revirando antigas anotações, encontrei este poema, escrito quando eu era adolescente. Sua simplicidade me fez sorrir ao lembrar de um tempo no qual a vida era fácil e bela, pois tudo era possível.


Dê ao poeta

Dê a dor para o poeta
Só a dor e nada mais
Aguarde um tempo e dê papel
E veja só o que ele faz
Ele escreve com furor
Deixa a dúvida no ar
Ele intriga o leitor
Consegue fazer a moça chorar

Dê o amor para o poeta
Nem precisa deixá-lo pensar
Papel não é necessário
Lindas poesias ele declamará

E o leitor que ficou intrigado
Começará então a sonhar
E a moça que havia chorado
Um lindo sorriso abrirá.

                                               Dhara adolescente

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O inconsciente, o consciente e a menina do sótão


"Sonho causado pelo vôo de uma abelha ao redor de 
uma romã um segundo antes de acordar."
                                                            Salvador Dali
        
   Esta manhã acordei atormentada por sonhos de lucidez. A realidade brutal que se revela no fechar dos olhos leva minha mente a navegar em mil conjecturas, que faço questão de esquecer quando estou acordada. Desperta, fujo das questões que me atormentam a alma, tiram-me  a paz e me fazem questionar as fracas premissas nas quais baseei minha vida. Não quero confrontos, nem sangue, nem caos. Não quero incomodar meus entes queridos nem meus amigos com problemas que não são deles, mas meus, apenas meus, não sei lidar com eles, mas são meus e de mais ninguém. 

      Quando durmo, logo minha mente leva-me para a terra do inconsciente, onde habitam as verdades que escondo dentro da cartola e do sobretudo. Lá, não preciso ser nada para ninguém, sou íntegra, o que não significa que seja melhor, pois muitas vezes me vejo fazendo coisas horríveis, fugindo, sempre fugindo, fugindo não sei do quê, talvez de mim mesma. Mas mesmo nos ambientes mais sinistros, mesmo nas situações mais aterradoras, há uma faísca de espontaneidade, de coragem, que me mostra o caminho certo a seguir sem que eu precise racionalizar. 

       Contudo, quando acordo, nesse exato instante de transição entre o sonho e a realidade, o juízo heróico adentra meu mundo consciente e há um choque de realidades, um sentimento muito forte, estrondoso, momento no qual tenho certeza de que estou começando a perder minha lucidez. É algo muito difícil de explicar em palavras (se tento fazê-lo é apenas para tirar a loucura de minha cabeça, aprisionando-a no papel), esse sentimento estranho de estar acordado com sua consciência fora de si. Quero voltar, ficar no mundo inconsciente, pois é muito perigoso habitar o "mundo real" com essa falha de consciência. É perigoso, é assustador, é o início da insanidade. 
      
       Se os sonhos são flashes de estranhas experiências que vivemos apenas dentro de nós, a vida exterior é, comparada a eles, um pesado fardo que carregamos e sempre queremos que mude de configuração, embora temamos essas mudanças. Queremos muitas coisas, mas pouco fazemos para que consigamos todas elas. Nossa querer fica, assim, na abstração, estado metafísico ideal para os sonhos. 

    Tudo que quero parece-me muitas vezes ridículo de querer e lutar, parece-me que nem mesmo uma alma aceitará o peso das escolhas que aquela centelha de juízo onírico impõe para minha vida consciente nos perigosos momentos entre o sonho e a lucidez. E acordar, bem o sei, é morrer, acordar é morrer para o inconsciente tão sensível e só. A loucura rondando... Exige bastante. 
       
       Sei que muitas pessoas não sentem assim, não veem com bons olhos as que sentem e não acreditam nem por um segundo (talvez por um segundo) que seja uma forma correta de se pensar. Sensibilidade extrema? Loucura? O que meu Deus? Esses pensamentos... Eu tento, eu finjo que eles não existem, que não estão ali, que vou acordar, vestir minha fantasia,  mostrar que sou normal, que sou competente, extremamente competente, trabalho, estudo e faço exercícios, mantenho a forma, extremamente compente, pois sim! Às vezes até arrisco dizer que adoro filosofia, literatura, que gostaria de ser escritora, mas é sonho distante, eu digo, e as pessoas apenas olham, elas não me encorajam nem desencorajam, elas apenas olham, não sabem o que dizer. Mesmo permanecendo em silêncio, seus olhares dizem muitas coisas, do tipo: "escritora, você?", "como assim, você prefere ser escritora a juíza?", "por que não vai resolver suas crises existenciais num shopping?". Eu não me abalo, preservo certas partes de minha integridade, independente dos outros, indepedente de mim. Procuro pessoas que possam parecer comigo, talvez elas estejam ali, em algum blog, em algum evento cultural, em alguma faculdade...

     Seria solidão tudo isso? Talvez. Talvez meus disfarces não sejam tão bons em me enganar quando estou sozinha. Quando estou sozinha, a parede nua da sala me diz que também estou nua. Se não faço questão de cobrir a vegonha da parede com um quadro qualquer, como então cobrirei minha vergonha, minha inadequação, minha loucura. Eu que sempre fui sensata, sempre fiz o certo, sempre zelei pela justiça de minhas ações. Serei eu julgada justamente por ter vestido essa fantasia da corretude e não ouvido minha voz interior? Sim, eu me julgo. Frente a mim mesma os disfarces perdem cor, perdem definição, perdem espaço para o inconsciente. Meus olhos - que olham para dentro, enxergam a menina viva, questionadora, corajosa e criativa que tranquei em algum dos armários dos sótãos do inconsciente.
          
         Ela foi ótima na infância e na adolescência, fez realmente diferença, foi verdadeira e feliz. Mas hoje, na vida adulta, esse mundo árido e infértil das leis, a menina teve que definhar, aceitar, acovardar-se. Ela, tão cheia de diversidades, não poderia habitar esse mundo sem cor, sem vida, sem muiteza. Então sua pena foi essa: prisão! Antes tivesse sido sentença de morte, mas não! Ela continua viva, embora seja muito difícil escutar sua voz, que precisa transpassar o armário, percorrer todo o sótão e subir ao consciente. Às vezes ela consegue essa proeza, às vezes sua voz é realmente ouvida, como um simples suspiro, é verdade, mas ela é ouvida e consegue tocar de alguma forma aquela que tomou seu lugar, a fantasiada, competente, quase robótica.
        
      Talvez, no marasmo do cárcere, esteja tramando uma revolução, a revolução dos oprimidos, que até sob o mais absoluto controle sempre mantêm a fagulha da revolta. Essa menina, muito esperta, deve ter percebido a existência desse momento, esse sutil momento entre o inconsciente e o consciente. Quem sabe nesse exato instante se possa ver alguns raios de luz adentrando as frestas de seu armário, ou talvez ocorra um súbito terremoto, um colapso do inconsciente, e ela saiba, por pura dedução, que há uma brecha, uma chance, um instante em que ela pode gritar a plenos pulmões, com todas suas forças, para que quem tomou o controle do consciente descubra que ela ainda está ali, planejando sua revolução secreta
       
       E nesse interstício, o acordar, ocorre um erro de conexão entre o inconsciente e o consciente, no qual habito o "mundo real" no estado de inconsciência - o grito da inconsciência; e a loucura, que espreita todos os conscientes inconscientes, está sentada em minha cama, estendendo a mão para me ajudar a levantar.


                                                                                                        Dhara Gasparini

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Cubra tudo de amarelo




O que te aflige, minha pequena
São questões terrenas
Coisas diminutas
De tão levianas
Não ofuscam tua grandeza
Vida na imensidão
Plenitude do belo

Cubra tudo de amarelo
Sapiência nunca cansa
Às vezes confunde, eu sei
Quando os olhos não são criança

Não te deixes tomar de nada
Há uma cilada 
Em cada escada
Que te afasta de tua essência
Vida em comunhão 
Plena de universo

Veja tudo pelo inverso
Transmutar sempre cansa
Mas guilhotinar o rei
Trará boa aventurança
                                                                                   
                                                                                            Dhara Gasparini

O começo da jornada


         Em geral, o impulso da travessia nasce do descontentamento (mesmo que inconsciente) com algum aspecto de nossa vida. No início, o caminho mostra-se sombrio e solitário,  causando receio a quem vislumbra aventurar-se. Nesse momento crítico, nada melhor do que buscar a sabedoria do corajosos homens que ousaram segui-lo.
"Precisamos estar dispostos a nos livrar da vida que planejamos, para podermos viver a vida que nos espera. A pele velha tem que cair para que uma nova possa nascer." 
"Quando nos deixamos guiar pela felicidade, nos posicionamos num tipo de caminho que sempre esteve ali, à nossa espera, e vivemos exatamente a vida que deveríamos estar vivendo." 
"Siga a sua bem-aventurança, lá onde há um profundo sentido do seu ser, lá onde seu corpo e sua alma querem ir." 
"Encontre a paixão da sua vida e siga-a, siga o caminho que não é caminho." 
"Quando tiver essa sensação, fique aí e não deixe ninguém arrancá-lo desse lugar. E portas se abrirão onde antes não havia portas e você sequer imaginava que pudesse haver."
                                                                                         Joseph Campbell


"Torna-te aquilo que és." 
"É necessário ter o caos cá dentro para gerar uma estrela." 
"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música."
                                                                                         Nietzsche